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Vade Mecum Espírita

Não é Espírita, não é desencarnada, mas é uma alma sábia


Plantar batatas 

(26.03.08)

 

 

 

Por Laura Ullmann López,
juíza de Direito em Tramandaí, RS (*)


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Artigo já publicado pelo Espaço Vital em 12.07.2006.
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O sistema judiciário não tem funcionado adequadamente por alguns motivos que são até mesmo óbvios. Há conflitos demais, abusos e desrespeito demais, má distribuição de renda, impostos irreais e extorsivos. Tudo isso gera processos demais. Não há juiz nem Justiça que dê conta de tantos problemas.

Muitos destes problemas tem origem nas relações de consumo ou prestação de serviços, no péssimo desempenho do Estado e da administração pública em geral, e, também, no próprio ordenamento jurídico.

Há necessidade de diversos ajustes, principalmente na esfera pública que sempre busca mais recursos no bolso do cidadão, por incompetência ou desonestidade, ou por ambos os motivos combinados.

Tudo isto gera inconformidade, indignação e inquietação sociais, as quais terminam desaguando em um Judiciário cada vez mais estrangulado. Não há como vencer esta demanda exagerada.
Alguns destes ajustes dependem de leis e adequações sociais; outros, da postura dos próprios julgadores.

O Código de Defesa do Consumidor, CDC, por exemplo - e, ao contrário do que muitos afirmam - é imprestável, não protege quase nada e tem pouquíssima eficácia ou serventia. Conflitos podem levar anos para chegar a soluções que poderiam acontecer em algumas horas.  Se fosse eficaz, sequer deveria chegar-se às vias judiciais. Bastaria a ameaça de sua aplicação, para que a ordem fosse restabelecida. Deveria impor respeito pela só simples existência.

É injustificável que situações de conflito, nascidas nas relações de consumo não sejam todas elas resolvidas na própria origem. Os desentendimentos deveriam ser resolvidos entre consumidor, mercado de consumo e polícia. Justiça, só em último caso.

Experimente ameaçar uma operadora de telefonia com seus "direitos" de consumidor e você será derrotado no 0800, ficará enfurecido contra uma funcionária anônima, resguardada pela proteção de um telefone, treinada para despistar, enganar, derrubar ligações, fazê-lo de tolo e desistir de seus direitos. Que força tem tido o CDC contra estas gigantes?

Reivindique seus direitos contra empresas do porte da Brasil Telecom, Claro, Vivo, CEEE, Banco do Brasil, Banrisul  e outras tantas, para ver se consegue algum resultado?

Que eficácia tem o CDC contra adversários tão formidáveis?

Pelo correto, o cidadão compraria um televisor, chegaria em casa e se não funcionasse, retornaria à loja que seria obrigada a trocá-la ou a devolver o dinheiro, instantaneamente, sem qualquer discussão ou formalidade. Na hora!

Caso se sentisse prejudicada, ela, loja, que é o pólo mais forte da relação é que ficasse com o ônus da demanda e não o contrário como ocorre hoje. Se não quiser trocá-la, o cidadão liga para a polícia, fecha-se o estabelecimento e vão todos para a delegacia. Isto seria correto.

Hoje, lhe dão o cartãozinho da assistência técnica, ou lhe mandam plantar batatas, ou, só a segunda opção! Isto é defesa de consumo?

Um bom CDC preveria que, se o cidadão tiver de demandar para provar o seu direito, o comerciante teria sérios prejuízos. Com certeza absoluta. Um bom CDC deve apresentar solução instantânea ou não serve. Sem a presença do Judiciário. Será que algum comerciante se arriscaria?

Na linha de órgãos ou entes públicos, apenas para ilustrar, o cidadão é obrigado a entregar sua declaração de renda no prazo assinado. Se atrasar, paga pesada multa e juros de mora. E o Estado, em contrapartida, tem algum prazo para a restituição? Tem multa por atraso? Não, nenhuma. Nada. Restitui quando bem entender! Sem ônus, sem dar explicações e sem ser ameaçado! 

Está errado. O Estado é que deve servir ao cidadão e não o contrário. As pessoas trabalham para servi-lo e nenhum governante explica para onde vai o dinheiro da CPMF. 

Por que muitos contribuintes não pagam o IPTU, IPVA e outros tantos impostos? Porque os valores são absurdos, abusivos, extorsivos e impagáveis. Não é sonegação, é legítima defesa.

O IPTU não deveria ser problema do Judiciário, mas das prefeituras. O assunto deveria ser resolvido na esfera administrativa. Quantos milhares de executivos fiscais têm hoje o Judiciário?

O IPVA, por seu turno, é calculado com a astúcia de um picareta. A Secretaria da Fazenda lhe manda o documento seis ou oito meses antes do vencimento. Como pode ser isso, se a época do vencimento seria um ano mais velho, com valor inferior ao do rejuvenescimento operado pela receita?

E mais. Para se assegurar da vantagem indevida, se o cidadão não quiser antecipar o imposto, a receita converte tudo em UPFs, para lhe tomar mais um pouco na data do vencimento. Ora, se o envio é antecipado, não pode haver atualização do valor para quem não quer antecipar! É óbvio!

É tudo sob o falso pretexto da falsa vantagem da antecipação. É sabido e consabido que qualquer veículo desvaloriza de 10 a 15% ao ano.

E para quem quiser parcelar, paga desde o primeiro mês do ano vincendo, quando o certo seria que as parcelas ocorressem somente a partir da data do vencimento da placa de seu veículo. Se a figura não é de estelionato, é algo muito próximo disto! Fatos como estes jamais poderiam ocorrer na administração pública, que deveria ser exemplo de correção e conduta!

Estes são apenas alguns dos tantos eventos que acabam se transformando em mais uma ação judicial, alimentando a faminta montanha de processos já existente.

Por que existe tanta sonegação? Por que existem comportamentos do Estado que a alimentam. Institua-se um imposto em níveis reais e descentes e vamos ver se a sonegação subsiste. E ainda podemos apostar em um aumento de arrecadação!

O produto pirata só existe porque o original tem o preço oligofrênico. E uma das razões do preço ser estratosférico é a covarde, irracional e trapaceira carga tributária. Se um CD (compact disc) custasse R$ 5,00 não haveria pirata que sobrevivesse!

Tudo isto, cedo ou tarde, deságua no Judiciário. Os magistrados não podem continuar despendendo seu exíguo tempo com as mesmas ações, contra os mesmos demandados e pelos mesmos motivos.

O Ministério Público deveria pegar pesado contra tudo isso, contra estas praças de pedágio, propositadamente, mal localizadas, contra estes pardais e controladores de velocidade que existem apenas para arrecadar, contra desmatamentos e agressões à natureza, contra todo os mandos e desmandos do Estado.

Os benefícios reverteriam em favor da sociedade como um todo. Não seria mais proveitoso usar todo o seu prestígio e autoridade para coibir tais abusos?

E os deuses magistrados, bem que poderiam se fechar menos em seus gabinetes e ter mais contato com o mundo real, preocupando-se menos em baixar pilhas e mais em prestar Justiça.

Qual a solução? Primeiro é necessário estancar o ingresso de tantas ações. Não existe Judiciário que comporte tamanho volume de demandas. Multiplique-se por dez o número de juízes, promotores e servidores, e nem assim se dará conta desta demanda carnívora. Enquanto tivermos este número absurdo de ingresso de novas ações (repetitivas e contra os mesmos) não há sistema que agüente. E como isto pode ser possível?

Comece-se por um Código de Defesa do Consumidor realmente eficaz, que garanta, de imediato, o resultado dos direitos das pessoas, sem a necessidade da ordem judicial. Um CDC forte e ameaçador a ponto de o infrator saber que se o consumidor tiver de ingressar em juízo, a palavra Justiça lhe causará calafrios e lhe representará prejuízo certo. O CDC tem de ter caráter punitivo e expiatório. Algo como, não arrisque ser demandado!

Quando nós, julgadores, nos dispusermos a tratar estas operadoras de telefonia, bancos, administração pública, etc, como os vilões que efetivamente são, como delinqüentes habituais, os quais estão sempre cometendo as mesmas irregularidades, os mesmos abusos, acarretando as mesmas demandas, com certeza absoluta chegaremos a um ponto em que as demandas cairão. A punição para o reincidente deveria crescer numa proporção geométrica. 

Contudo, haveria situações em que não bastaria a elevada pena pecuniária. Faça-se o presidente ou o diretor de uma empresa de telefonia, do banco, o secretário da fazenda, da receita federal, e toda a cúpula responsável pelos cometimentos irregulares e indevidos sentar no banco dos réus para dar explicações e vamos ver se as demandas não declinam vertiginosamente. O Judiciário não pode continuar se prestando para esta mesmice. As trapaças e os trapaceiros não mudam. Perde-se tempo enquanto a pilha de processos aumenta. 

O Judiciário deve se ocupar com coisas mais sérias.

(*) E-mail: lulopez@tj.rs.gov.br

Autor: Laura Ullmann López
Fonte: http://www.espacovital.com.br
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Obrigado Jamil Bizin!

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