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Vade Mecum Espírita

Um belo caso de Identificação *


                                            
          Há manifestações que não apresentam um caráter físico, material, mas que nem por isso são menos convincentes para quem as observa. A esse respeito, é muito instrutivo o caso seguinte.
          O Sr. Al. Delanne se achava em Cimiez, perto de Nice, e lá se encontrou com o Sr. Fleurot, professor, e sua mulher, com os quais travara ele relações numa viagem anterior. A conversação cai sobre o Espiritismo e a Sra. Fleurot narra o que se segue:
          “Pouco tempo depois de haverdes passado pela nossa cidade, meu marido e eu, ainda sob a impressão das narrativas que nos tínheis feito acerca das manifestações espíritas de que foi testemunha, compramos os livros de Allan Kardec. Eu ardia no desejo de me tornar médium, mas a minha convicção se firmou, com exclusão dos processos da mesa ou da escrita.
          Vai para perto de seis meses, vi em sonho diferentes personagens de destaque, a discutirem questões de alto alcance filosófico. Aproximo-me receosa e muito emocionada. Dirijo-me ao que me pareceu mais simpático.
          – Consentiria, pergunto-lhe, em me esclarecer sobre um assunto importante, cuja solução ignoro? Que é feito da alma após a morte?
          Ele, com bondoso sorriso, respondeu:
          – A alma é imortal, não pode aniquilar-se nunca. A tua, neste instante, se acha no espaço, liberta momentaneamente dos entraves da matéria, gozando, por antecipação, da sua liberdade. Assim será sempre, desde que deixes definitivamente o teu corpo de carne, para viveres da nossa própria vida espiritual.
          – Custa-me a crê-lo – repliquei –, porquanto, se fôsseis habitantes da erraticidade, já não teríeis o tipo humano, nem estaríeis vestidos semelhantemente aos homens.
          Retrucou-me ele:
          – Se a ti nos apresentássemos sob uma forma inteiramente espiritualizada, não terias apercebido da nossa presença, tampouco nos houveras reconhecido.
          – Reconhecer-vos, dizeis? Nada, porém, me faz lembrar as vossas fisionomias e nenhuma recordação guardo de já vos ter visto alguma vez.
          – Estás bem certa disso?
          Então, que maravilha! aquele que me respondia foi de súbito banhado de claridade por uma intensa luz fluídica e, em pérolas elétricas, um nome se lhe formou por cima da cabeça e eu li, deslumbrada e encantada, o nome venerado de Blaise Pascal.
          De tal modo gravado se acha em mim o seu semblante, que jamais se me apagará da memória, enquanto eu viva. Como nunca, em parte alguma, me fora dado ver a fotografia do ilustre sábio, cuidei, ao despertar, de correr, juntamente com meu marido, a quem logo referi o meu singular sonho, às casas dos vendedores de estampas. Fomos à de Visconti, o mais afamado livreiro de Nice, para comprar o retrato de Blaise Pascal. Ele nos mostrou diversas gravuras representando o grande homem, porém, nenhuma reproduzia os traços do desconhecido que me falara. Ali estavam, com efeito, a sua figura cheia de nobreza, seus grandes olhos, o nariz aquilino, a cabeça coberta por soberba peruca ondulada; mas, em nenhuma daquelas imagens descobria eu a pequenina deformidade do lábio inferior, para a qual a minha atenção fora particularmente atraída durante a visão. O lábio era um pouco arregaçado, tal como se o defeito fosse conseqüência de um acidente qualquer, na mocidade.
          O livreiro, esperto, afirmou que já apreciara muitas gravuras com a fisionomia de Pascal e vira retratos seus pintados a óleo ou a aquarela, porém, jamais notara em nenhum o defeito que eu persistentemente assinalava.
          Regressando a casa, eis que me reaparece o sorrisinho céptico do Sr. Fleurot. Isso me enraivecia a mim, que rejubilava a idéia de fazê-lo partilhar da minha convicção, oferecendo-lhe uma prova da identidade da personagem vista em sonho.
          Repetidamente tornei a ver, durante o sono, o meu protetor, que me prometeu velar por mim durante o meu cativeiro terrestre e me explicar mais tarde à causa da afeição que votava à minha família. Ousei mesmo falar-lhe da pequena deformidade do lábio e lhe perguntei se, em vida, ela fora reproduzida nalgum de seus retratos. 
          – Foi, respondeu-me, nas primeiras fotografias minhas, publicadas pouco tempo após a minha morte.
          – Ainda existe alguma? Dizei-me, eu vo-lo exoro.
          – Procura e acharás!...”
          Refere a Sra. Fleurot que, aproveitando as férias de seu marido, os dois vasculharam, em Marselha e Lião, todas as casas de negócio onde poderiam achar o que desejavam, sem que em nenhuma encontrassem o retrato revelador. Teve então o Sr. Fleurot a inspiração de ir a Clermont-Ferrand, onde viram coroada de êxito a perseverança que vinham demonstrando. Encontraram, em casa de um negociante de antigüidades, o verdadeiro retrato de seu ilustre amigo, com a real deformação do lábio inferior, tal qual a Sra. Fleurot vira em sonho.
          Por muitos títulos, é bastante instrutivo esse relato. Em primeiro lugar, firma a identidade do Espírito, pois que nenhum dos retratos existentes na cidade de Nice acusava o sinal característico que se encontrava no original, na terra de nascimento do autor das Provinciais. Em segundo lugar, há uma frase do Espírito digna de nota, a que intencionalmente sublinhamos: Se nos houvéramos apresentado a ti sob uma forma inteiramente espiritualizada, não nos terias visto, nem, ainda menos, reconhecido.
          Comprova-se assim que tanto mais sutil e etéreo é o perispírito, quanto mais depurada está a alma. Com efeito, diz Allan Kardec que os Espíritos adiantados são invisíveis para os que lhes estão muito inferiores quanto ao moral; mas, essa elevação não obsta a que o Espírito retome o aspecto que tinha na Terra, aspecto que ele pode reproduzir com perfeita fidelidade, até nas mínimas particularidades. Assim como, no domínio intelectual, nada se perde, também nada desaparece do que há constituído a forma plástica, o tipo de um Espírito. Eis outro exemplo desse notável fenômeno. (Deixei esta última frase para estimulá-lo a ler toda a obra, você vai gostar, tenho certeza. LPG) 

Autor: A alma é imortal
Fonte: Gabriel Delanne
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