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Vade Mecum Espírita

Michelet


Michelet

          24 de Dezembro de 1906.
                                                                                                                                                                 

                                                              "O Senhor se fez o refúgio do pobre; Ele vem em seu socorro na ocasião da necessidade e no tempo da tribulação"
 
     
     Não há em toda a Bíblia mais resplendente verdade do que esta.
    
     “O Senhor se fez o refúgio do pobre.”
 
     Só quando somos pobres de alegrias ou de bens, conhecemos a grandeza de Deus e a consolação de nos refugiar na sua crença e no seu amor.
 
     Conhece melhor o pobre a bondade do Senhor, dentro do seu sofrimento e da sua desgraça, do que o rico a quem Ele permitiu o gozo dos bens terrenos, ou o feliz a quem Ele agraciou com a sua generosidade.
 
     No gozo da felicidade ninguém se lembra de Deus; mas, no amarguramento da dor, não há ateu que resista à necessidade para sua alma, de procurar n’Aquele Ente misterioso, e em que crê não crer, o alívio para a pena que o tortura.
 
     O pobrezinho a quem falta o pão e o agasalho; a mãe a quem falta o filho, que é a alegria e o bem da sua vida; a esposa a quem falta o esposo; o rico a quem uma especulação intimida; o doente a quem uma dor avassala; o filho a quem morrem os pais carinhosos; enfim todos os que são tomados de um sentimento de intensa amargura, a sua primeira ideia, o seu primeiro anseio e a sua maior esperança é refugiarem-se no Senhor. Não há nenhum homem ateu no foro íntimo da sua consciência, ao ver esvair-se a vida a um entezinho querido a quem muito ame e queira. Pode orar, suplicar ou blasfemar; mas o que não fica é empedernido na sua descrença como a mulher de Lot na sua curiosidade. Se este homem é bom e se lamenta, recorre involuntariamente, nos estos1 da sua dor, ao Deus que na sua felicidade negava.
 
     Pode, na sua súplica, fazer a evocação duvidosa de “Se existes, tem piedade de mim”, mas refugia-se n’Ele, quando já todas as coisas terrenas e materiais lhe negam a consolação, ou lhe afastam a esperança.
 
     Não há dor, por maior e mais intensa que seja, que se não dilua e atenue na súplica ao Senhor.
 
     Ele é o refúgio derradeiro de todos os infelizes, como a infelicidade é a pedra de toque de todos os corações. A infelicidade é o mais alto pedestal a que sobe a alma humana para se aproximar de Deus. Só podem alhear-se à ideia de Deus, aqueles a quem Ele, para provar, deu os mais generosos dons na Terra. Esses é que o podem esquecer. Quem não tenha esses dons, pode amá-lo ou blasfemar contra Ele; agora, o que jamais fará é desconhecê-lo.
 
     Se é simples e bom acolhe-se à sua esperança; se é desesperado ou insofrido acusa-o do seu pesar ou da sua miséria.
 
     Em ambos os casos a sua amargura lhe indicou Deus.
 
     No primeiro refugia-se n’Ele e Ele vem sempre em seu socorro. Quando mesmo o abandono parece mais manifesto, é quando, muitas vezes, o amparo é mais bondoso e certo.
 
     Quem pode apreciar aí a ação de Deus, se não há homem que conheça a sua própria ação, nem o móbil do mais insignificante ato da sua vida?
 
     Quem pode abalançar-se a supor justiça na sua observação sobre atos de que escapam, à sua análise e à sua crítica, os antecedentes e os consequentes?
 
     A razão humana, quando chega a um fato ou a uma ideia que não pode sobrepujar, desvaira.
 
     Envolve-a no mistério e apavora-se dela; ou contesta-a, para não reconhecer a sua fraqueza em não atingir a sua concepção.
 
     Quando não compreende não se limita a desconhecer, nega.
 
     Não hesita em avançar pelo absurdo desde que não seja violentada a capitular de ignorante.
 
     Como é bem mais belo o sentimento! Este adivinha onde aquela não distingue; ama onde aquela reflexiona; suplica onde aquela maldiz; resigna-se onde aquela desespera; sente-se bem onde aquela sofre.
 
     Unidos, os dois equilibram o organismo.
 
     A primeira qualidade da razão devia ser a razoabilidade.
 
     Nos fatos de natureza psíquica, quando a razão não atinja, deixe atuar o sentimento. Nos fatos de natureza física onde o sentimento hesite, deixe funcionar a razão. A razão é, de sua origem, fria e serena. Resultante da observação e do conhecimento adquirido, deve limitar-se a buscar, pacientemente, novos pecúlios que a enriqueçam. Negar o que não conhece é começar por negar-se a si própria, visto que tudo quanto é, e tudo quanto sabe, foi sempre negado e repudiado. Ela representa a soma de coisas que o sentimento, essa coisa vaga, mas irresistível que impele o progresso humano, arrancou ao desconhecido.
 
     Que força é o sentimento? A fé, a esperança, a tenacidade são faculdades da alma, são manifestações do sentimento.
 
     Quem viu jamais a fé, a esperança, a tenacidade? Quem lhes conhece a forma ou a cor?
 
     Quem as pesou ou mesurou? Ninguém. Entretanto ninguém lhes pode negar a existência, nem desconhecer-lhes os efeitos.
 
     O sentimento é a manifestação da alma, como a razão é a manifestação do cérebro. A razão é o obreiro que a alma tem ao seu serviço. Obreiro cego, obreiro material, curto de intelecto, se a alma lhe não orienta as pesquisas, lhe não qualifica o trabalho, lhe não classifica as descobertas, lhe não ilumina o esforço e lhe não recompensa o sacrifício. A cada um o seu lugar.
 
     A razão sem o sentimento conduz o homem, nas coisas especulativas e espirituais, à dúvida, à descrença, à impotência, à negação.
 
     O sentimento sem a razão conduz, nas coisas materiais, ao desfalecimento, à covardia, à inapetência absoluta; nas coisas espirituais ao exagero, à superstição e à loucura.
 
     No justo equilíbrio está a verdade.
 
     Dê à razão a sua cota parte de trabalho naquilo que, com propriedade, se possa submeter à frieza da sua análise. Não queira ir onde a curteza da sua vista e do seu braço não possa chegar; e deixe que o sentimento se lhe substitua onde só a acuidade da alma, a previsão da esperança, o poder da fé podem alar-se.
 
     A galinha e a águia têm ambas penas e asas; mas nem a galinha pode voar, nem a águia viver na planície. Porque a galinha não pode desferir o voo não se segue que se lhe reconheça razão para negar a existência do espaço, nem os alcandores e os píncaros das serranias que parecem perfurar o céu, e aonde a águia vai e vive.
 
     Insensivelmente propendi para um assunto que só indiretamente vinha a pêlo2 do versículo que citei. É que, meu amigo, quando nos encontramos aqui, há só uma coisa que impressiona toda a nossa razão e toda a nossa filosofia: - a admiração de que haja quem negue a existência de Deus e da alma.
 
     O crente, na sua felicidade, lamenta o descrente, e admira-se e espanta-se de que ele não creia numa coisa tão simples, tão lógica e natural ao seu sentimento. O descrente arrepela-se e maldiz-se por ter descrito e contestado uma coisa tão evidente e tão lógica, como consequência da existência do homem, e de que tantas vezes, nos momentos angustiosos e expectante do seu viver, teve rebate e pressentimento, que a sua razão fria, ignorante e pretensiosa lhe obscureceu e afastou.
 
     Voltando ao assunto inicial, para terminar por hoje.
 
     Toda pessoa bem formada e com a sua razão e sentimento em justo equilíbrio, reconhece Deus e o ama. A razão descobre que não pode existir manifestação sem causa. Que tudo quanto vê e conhece é a manifestação. Não pode atingir a causa que origina essa manifestação. A sua vista é finita; o raio do seu olhar é estreito. A sua análise é incompleta, por isso. Deixe operar o sentimento. Deixe que a parte espiritual do seu ser complete a análise. Então o sentimento encontrará a causa de tudo, a origem de todas as manifestações. Essa causa é Deus. A manifestação é a criação.
 
     Compenetrando-se desta verdade, terá afastado de si muito motivo de angústia e de sofrimento. Na hora minguada da felicidade, louvará a Deus no justo gozo desse benefício; na hora eterna da dor, louvá-lo-á na súplica à sua piedade. Buscará refúgio n’Ele contra as agruras do mundo e de si próprio; e Ele virá sempre em seu socorro na ocasião da necessidade e no tempo da tribulação.
 
    A prece é o bálsamo que suaviza as dores mais acendradas, e que dulcifica e atenua as angústias mais miserandas.
 
     Na prece buscamos a esperança; na prece fortalecemos a fé.
 
     A prece é o caminho que nos leva ao refúgio em Deus; e é o conduto por onde nos vem o amparo e a consolação.
 
     A prece anima-nos nessa vida, e guia-nos e prepara-nos para as outras.
 
     A prece é o mais salutar pecúlio dos pobres. E pobres somos nós todos; os ricos e os pobres; os alegres e os tristes; os felizes e os desgraçados.
 
     Somos pobres, porque somos cegos; somos pobres, porque o nosso ser só na dor terá correção.
 
     “Levanta-te, Senhor Deus, eleve-se a tua mão e não te esqueças dos pobres.”

 

1 - estos = ardor, efervescência. 2 - a pelo = a propósito

 

 

 

Autor: Fernando de Lacerda
Fonte: DO PAÍS DA LUZ - Vol.I
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