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Vade Mecum Espírita

Mensagem aos líderes e membros de Partidos Políticos


XXXIV

 

Hintze Ribeiro.

Advogado e político.

                                    Como político foi um grande esta­dista moderno; e como orador foi uma das glórias mais indiscutíveis da tribu­na parlamentar.

          Aos meus amigos.

          Se o meu coração não estivesse lavado de todos os ressentimentos, que, anos de luta, por vezes inglória e por vezes ingrata, haviam acumulado, bastava este interesse particular, respeitoso e ca­rinhoso com que quereis, por este meio estranho, perscrutar ainda a minha vontade, para a acatar­des, como bons amigos, amigos queridos, amigos amados, companheiros diletos na amargura e na glória, para que me sentisse limpo de toda a mágoa que ainda me pudesse macular.

          Graças a Deus vi tanta dor e tão sincera, tão funda, tão boa para mim, no coração dos meus amigos, dos meus adversários e até dos meus ini­migos, que a todos uniu numa intensa manifesta­ção de justiça às minhas intenções, que cheguei a dar-me por feliz de ter sofrido aí, e a achar-me generosissimamente compensado das ingratidões com que a maldade de alguns me houvesse ferido, na minha passagem pela Terra.

          Deve ser esta a minha primeira confissão ao deparar-se-me o ensejo primeiro de vos falar.

          Não podeis imaginar o que representou para mim, ao vir daí avergado a intensíssima mágoa e profundíssimo e dilacerante desgosto, de me ver mal apreciado pelos meus esforços de tantos anos em benefício da pátria, senão sempre coroados de êxito compensador, sempre impulsionados por puras e desinteressadas intenções, o ver a quase unani­midade de sentimento e de dor, pelo meu desapa­recimento brusco da cena da vida terrena e efê­mera.

          Só então reconheci que a justiça, de que tantas vezes, nos meus momentos de amargura e desalento descri, não era uma palavra vã e um sentimento negativo. Foi este convencimento que me deu a primeira felicidade das que Deus, imerecidamente, me reservava ao aportar ao infinito país de paz e de amor, onde a misericórdia divina me deu in­gresso .

          Cumprido este dever, em que vai o testemunho de todo o meu agradecimento, vou procurar res­ponder à vossa consulta.

          Em primeiro lugar tratarei da minha Joana.

          Tem sido ela o véu denso e negro que vem obscurecendo a minha felicidade extraterrena.

          A sua dor desmarcada, o desespero em que se tem mergulhado, resistindo às consolações dos outros e às minhas próprias, tem-me trazido tam­bém um doloroso e cruciante martírio.

          Se a dor dos outros (que representa para uns uma manifestação de saudade, de amizade, para outros de justiça, e ainda para outros de penitên­cia) me alegrava e alegra, porque traz a quietude ao meu coração, por vezes ferido ingratamente, a dor dela conturba-me e dilacera-me, por a sentir mais do que justa acusação, por tê-la sacrificado, a ela, a tudo, e não ter sacrificado nada por ela.

          Dei aos outros juventude, trabalho, saúde, pen­samento e vida; e a ela, companheira querida sem­pre sacrificada e benévola, só leguei a dor e a mi­séria!

          As suas lágrimas, os seus gritos, o seu sofrer, acusam-me, acabrunham-me, esmagam-me. Não é ela que mo diz ou que sequer o pensa; é o meu remorso, é a minha impossibilidade de poder reme­diar agora o que não tem remédio, que me fazem a acusação tremenda, para que não encontro ate­nuante.

          Na Terra tinha de sacrificá-la à política, à pá­tria, ou sacrificar a pátria e a política a ela.

          O primeiro sacrifício satisfazia a minha vai­dade estulta e vã, deixando-me poucos momentos para a minha pobre Joana; o segundo far-me-ia renunciar àquela glória que me fascinava, que me atraía e que me matou.

          A gloríola política foi mais poderosa. Tudo lhe sacrifiquei! Já nos últimos tempos, quando a morte me estava fazendo o cerco em que me havia de vencer, a minha pobre Joana, conhecendo-a, quis lutar com ela, e afastar-me do cuidado minaz que me perdia.

          Reconhecia-lhe razão. Melhor do que ninguém eu sentia a aproximação do momento derradeiro; mas não queria acreditar-me, não queria ver o meu esgotamento, não queria medir a minha fra­queza. Nada fiz, nada faria, que pudesse dar rebate, fosse a quem fosse, do meu estado. Preferia, como preferi, morrer no meu posto, a abandonar, por um momento só que fosse, o lugar em que os meus ami­gos me haviam colocado, num momento que eu re­conhecia difícil na vida da nossa pátria e do nosso partido.

          De tudo me lembrava, só me esquecia da mi­nha companheira. Só não via, ou não queria ver, a situação angustiosa em que a minha teimosia a deixaria.

          Chegou à derrocada mais rapidamente do que eu esperava; e ela ficou como era de esperar: — Só, erma de amor, na sua parle espiritual entregue ao desespero, na sua parte material entregue a uma miséria dourada e pavorosa.

          Não receio por ela. Conheço-a bem, vejo-a bem, para que lhe suponha cuidado pela necessidade, que a falta de conforto material, de comodidades e de luxo lhe possa causar. E’ modesta, é simples, é boa. Há-de pensar sempre que, quanto menos viver para os outros, mais há-de viver para mim; e ela, que sempre por mim sacrificou tudo que a sua juventude e a sua situação lhe podia apetecer, não duvidará bendizer, por mim, o sacrifício que a mi­nha morte lhe possa trazer ainda.

          Por isso não faço indicações, que representa­riam pedidos, que nem aos mais íntimos amigos se devem fazer.

          Ficou pobre? Se continuar pobre, creio que nem por esse fato se julgará mais infeliz.

          Pobre ficou ela desde que lhe faltei.

          Não posso nem devo dizer outra coisa.

          Se o meu país, por quem ela me perdeu, se lembrar que foi por ele que ela ficou viúva já, e tão pobre que nem o que tem é dela, e, para evitar que mendigue ou aceite esmola, que a amizade dos meus amigos lhe possa dar, lhe queira minorar a situação, dando-lhe um pouco, em troca da vida que lhe sacrifiquei, ela deve aceitar sem escrúpulo, sem hesitação.

          Será a restituição do juro do capital que com ele despendi. Se não der, o meu país não ficará mais rico, eu não lhe quererei menos, e ela não se lamentará mais.

          Para uma mulher viver basta tão pouco!

          Da política pouco terei a dizer.

          A mudança do plano em que me encontrava para aquele em que me encontro, fêz-me perder-lhe o interesse. Creio que lhe dei tanto enquanto estive na Terra, que nada mais me ficou para lhe dar.

          Sob o ponto de vista da minha sucessão, nada tenho a dizer. Os interesses do meu partido per­tencem aos meus antigos correligionários; e creio-os bem defendidos.

          São eles que, vivendo aí, têm direito a esco­lher o que lhes pareça de melhor.

          Se me metesse a dar opinião, ainda na melhor das intenções, seria uma invasão impertinente.

          A todos os meus queridos amigos, que se julgam com o direito a essa sucessão, eu lhe reco­nheço.

          Creio todos animados das mais puras inten­ções, dos mais patrióticos desejos, e da mais entranhada dedicação pela pátria e pelo partido.

          Não me é lícito nem decoroso, agora, que já aí não pertenço, pretender atuar em coisa alguma, di­retamente.

          Aquele que o meu partido escolher, será o melhor.

          Como tal o terei, e tal será.

          Então a ele falarei. A ele direi o que me pare­cer de bom amigo, deixando-lhe a mais ampla liber­dade de me atender ou não.

          E falarei porque cumprirei um dever: — o dever da sentinela que é rendida.

          O chefe do meu partido deve ser a sentinela vigilante, no posto de perigo e de honra, aos inte­resses da pátria e do partido.

          Os interesses do partido devem conjugar-se sempre com os interesses da pátria. Quando não se possam conjugar, os que devem ser sacrificados, sem a menor hesitação, são os do partido.

          Eu sempre assim fiz.

          À pátria sacrifiquei sempre os interesses do meu partido; ao meu partido os meus, e creio que fiz bem. Em todo caso, se me é lícito manifestar um desejo, vou manifestá-lo.

          No meu glorioso partido regenerador, tão rico de abnegações, tão ilustre de feitos, tão nobre de tradições, tão exemplar de dedicação e de discipli­na, vejo a obra do meu trabalho, o objetivo da minha vida terrena, o objeto do meu sacrifício.

          Vejo nele a minha obra de tantos anos de luta intensa e exaustiva; revejo todos os triunfos, todos os meus desalentos; as horas de mais esplendente glória e as de mais travoso amargor; tudo unido, tudo harmonizado, tudo num grande bloco, repre­sentando a minha saudade pelos amigos queridos, o meu respeito pelos mestres adorados, a minha tolerância pelos adversários ou pelos inimigos; re­vejo, enfim, toda a minha vida de fadiga, de ambi­ção, de afeto e de dor. Tudo nele me é caro, porque tudo lhe dei. Ele deu-me a força e o po­derio; eu dei-lhe a inteligência, a saúde, o bem- estar, o futuro, a vida. A esse partido me prendem todas as recordações mundanas da Terra, como à minha Joanna me prendem todas as minhas recor­dações de coração.

          Nele vivi, com ele vivi e para ele vivi. Fazia parte de mim, como eu fazia parte dele.

          O meu desejo, pois, é de que ele viva como eu vivo.

          A morte não me aniquilou; pois que o não aniquile a ele.

          A minha morte deu-me melhor situação, mais amplos horizontes, vida mais feliz. Que a minha morte lhe dê também melhor situação, mais amplos horizontes, vida mais feliz.

          Que não haja uma defecção.

          Que se unam como soldados leais em quadrado. Ao centro a bandeira que tantos anos defendi, e — Pela Pátria.

          Unidos todos, olhos fitos no futuro, decisão firme, coragem intimorata e seguir cegamente, in­discutivelmente, aquele que for o escolhido para o dirigir, seja quem for. O que for sagrado com o be­neplácito da escolha, há-de ser sempre o melhor.

          Dentro do nosso glorioso partido, há lugar para todos.

          Que não haja um desfalecimento, que não haja uma fraqueza.

          Se houver sacrifícios a fazer, faça-os quem se julgue sacrificado. O maior será o mais altruísta.

          Se não me interessa a política, na sua feição particular e exclusiva, interessa-me o meu partido no seu conjunto, nas suas tradições, na sua glória, no seu futuro; e espero em Deus que se eu não pude realizar a profecia do nosso grande e inimitável chefe Fontes Pereira de Melo, a há-de realizar o nosso partido. Há-de ser ele a quem caberá a alta missão histórica de elevar a nossa pátria à altura a que tem jus.

          Não podia ser isto obra de um homem; mas há-de ser obra de uma partido; e para que este partido cumpra o seu alto dever histórico e so­cial, é absolutamente necessário que se mantenha unido, firme, patriota, como um exército disciplina­do, aguerrido, e fundamente compenetrado da sua missão.

          O meu desejo, pois, meus queridos amigos, é: — Um por todos e todos por um e pela Pátria.

          Nem uma tibieza, nem uma defecção. Nem uma!

          Seja quem for o chefe, será o chefe, o que vos há-de conduzir à vitória se lhe derdes força, auto­ridade, dedicação e entusiasmo; ou à derrota se lhe faltardes com o cumprimento do vosso dever.

          Conheço bem a todos os que me acompanha­ram, para ter a certeza de que todos sabereis cum­prir esse dever, através de tudo, apesar de tudo, e acima de tudo.

          Assim honrareis os vossos nomes, servireis a nossa pátria e o nosso partido, e dar-me-eis a maior prova de amizade, a mais íntima satisfação, que ainda me podereis dar.

          A luta, as dissensões, serão úteis e justifica­das até à escolha. Será o trabalho da seleção. Depois: — Um por todos e todos por um e Pela Pátria.

 

Autor: Fernando de Lacerda - Do País da Luz
Fonte: Vade Mecum Espírita
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