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Do Pais da Luz - Volume I de IV - Fernando de Lacerda


Volume I de IV - Julio Diniz (Espírito)

          O dia de Natal é, por excelência, o dia grande para o cristão.

          Não há outro maior.

           Para que a natureza das coisas esteja sempre em desarmonia com a verdade delas, até o dia maior da humanidade é o dia mais pequeno do ano. E’ naturalmente por isso que o Cristo nasceu de noite.

           A noite era a maior; e Deus, nosso Pai, queria, com aquele nascimento na maior noite, dizer ao homem que era aquele Filho seu a luz maior para dissipar a mais dilatada treva.

           A civilização, feita de comodismos e vaidades, vai rindo das coisas que eram o encanto dos nossos avós, e que constituíam os mais belos reflexos da crença e do amor. Hoje, só nos recantos ignorados da nossa província se festeja sincera e devotamente a grande noite.

           Só lá se reúnem os parentes ausentes, para quinhoarem a consoada, fazerem a meia noite e irem assistir devotamente ao nascimento do Menino como se em verdade ele nascesse no humilde pres­bitério, caiadinho de branco e rescendendo a in­censo, perdido no centro da povoação, como senti­nela vigilante contra a heresia civilizada.

            Lá vão todos, cantando e folgando, como quem vai para a festa maior, depois de, nas suas salas e nos seus eirados, terem passado revista amistosa às suas famílias, deixando cair uma lágrima de saudade pelo ausente que a distância conservou afastado, ou que a morte afastou para sempre daquela consoladora cerimônia.

            Ali, naquele meio, onde as filosofias ainda não chegaram, ainda não há pejo de se confessar em voz alta a crença em Deus. Não se presumirá quem seja o Deus que adoram, nem o Jesus de que festejam o nascimento; mas sabem, na simplicidade da sua alma, que aquele menino que vão ver nas­cer é a paz do seu lar e da sua consciência, que é por ele que ali estão reunidos, e que é a ele que se apegam nas suas dores; que é a ele que encar­regam de velar pelo filho, pelo pai ou pelo irmão ausente e é dele que esperam o pão e a salvação. Âs almas boas isso lhes basta. Essa fé encontraram ao entrar no mundo, e essa fé desejam legar ao sair dele.

            Não conheci na Terra coisa tão tocante como a noite de natal provinciana. E’ o momento único da família. Os ausentes, naquele momento, deixam de pensar nos seus interesses, nas suas mágoas pes­soais, para enviarem um pensamento de saudade e de ternura aos seus velhinhos de cabelos alvos como estrigas de linho, que naquele mesmo momento rezam por esses ausentes, alheando-se de si pró­prios, na magoada saudade de os não verem, e no tímido receio de que a neve, que lhes cobre os ca­belos, desça ao coração sem que eles voltem a aben­çoá-los em nome de Deus.

             Momentos de recordação e de saudade, em que os risos têm a placidez dos justos, e as lágrimas a suavidade do amor puro. Todos se lembram, todos se reúnem em pensamento ou em corpo, em nome de Jesus, para lhe festejarem mais um nascimento.

             Ali estão todos, à luz mortiça do braseiro, a recordar, a rir ou a rezar, consoante o sentimento que domina a família toda, na mais tocante comunhão de afetos. E tudo suavemente, e tudo tran­quilamente, como se a suavidade humilde e divina do Mestre tivesse baixado a envolver na luz morna do seu afeto aqueles que, em nome dele, ali se acham reunidos.

             Nas cidades, onde o silvo do vapor, o rugido dos enormes monstros d’aço e ferro, o fumo das chaminés, a celeridade do movimento, a luta pela vida, a moda da civilização, empederniu o coração humano, ou, pelo menos, o embotou pelo egoísmo ou o perverteu pela vaidade, não se conhecem aque­les deliciosos momentos, e alcunham de pieguice condenável o que de bom existe no organismo humano — o sentimento.

             Como eu os lamento! Como são dignos de lás­tima na sua ignorância ou na sua inconsciência!

             Natal! Natal! Nasceu o Redentor!

             Que ele dê a paz ao mundo, e a ti, meu que­rido amigo, a luz à tua alma e a paz à tua vida!

Autor: Julio Diniz - Fernando de Lacerda
Fonte: Do Pais da Luz - Volume I de IV
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