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Vade Mecum Espírita

O Espiritismo é uma Religião? *


       O Espiritismo é uma religião?

"Em qualquer lugar que se encontrem duas ou três pessoas reunidas em meu nome, eu me encontro ali no meio delas." (S. Mateus, cap. XVIII, v. 20.)



          Caros irmãos e irmãs espíritas, 
          Estamos reunidos, neste dia consagrado pelo uso à comemoração dos mortos, para dar àqueles de nossos irmãos que deixaram a Terra, um testemunho particular de simpatia; para continuar as relações de afeto e de fraternidade que existiam entre eles e nós quando vivos, e para chamar sobre eles as bondades do Todo-Poderoso. Mas porque nos reunir? Não podemos fazer, cada um em particular, o que nos propomos fazer em comum? Que utilidade pode nisto terem se reunir assim num dia determinado?
          Jesus no-lo indica pelas palavras que reportamos acima. Esta utilidade está no resultado produzido pela comunhão de pensamentos que se estabelece entre pessoas reunidas com um mesmo objetivo.
          Mas compreende-se bem toda a importância desta palavra: Comunhão de pensamentos? Seguramente, até este dia, poucas pessoas dela se fizeram uma idéia completa. O Espiritismo, que tantas coisas nos explica pelas leis que nos revela, vem ainda nos explicar a causa, os efeitos e o poder desta situação do Espírito.

          Comunhão de pensamento quer dizer pensamento comum, unidade de intenção, de vontade, de desejo, de aspiração. Ninguém pode desconhecer que o pensamento seja uma força; mas é uma força puramente moral e abstrata? Não; de outro modo não se explicariam certos efeitos do pensamento, e ainda menos da comunhão de pensamento. Para compreendê-lo, é preciso conheceras propriedades e a ação dos elementos que constituem a nossa essência espiritual, e é o Espiritismo que no-lo ensina.

          O pensamento é o atributo característico do ser espiritual; é ele que distingue o espírito da matéria: sem o pensamento, o espírito não seria espírito. A vontade não é um atributo especial do espírito, é o pensamento chegado a um certo grau de energia; é o pensamento tornado força motora. É pelo pensamento que o espírito imprime aos membros e ao corpo os movimentos num sentido determinado. Mas se ele tem o poder de agir sobre os órgãos materiais, quanto esta força deve ser maior sobre os elementos fluídicos que nos cercam! O pensamento age sobre os fluidos ambientes, como o som age sobre o ar; esses fluidos nos trazem o pensamento como, o ar nos traz o som. Podese, pois, dizer com toda a verdade que há nesses fluidos ondas e raios de pensamentos que se cruzam sem se confundirem, como há no ar ondas e raios sonoros.
          Uma assembléia é um foco de onde irradiam pensamentos diversos; é como uma orquestra, um coro de pensamentos onde cada um produz uma nota. Disto resulta uma multidão de correntes e de eflúvios fluídicos dos quais cada um recebe a impressão pelo sentido espiritual, como num coro de música, cada um recebe a impressão dos sons pelo sentido do ouvido.
          Mas, do mesmo modo que há raios sonoros harmônicos ou discordantes, há também pensamentos harmônicos ou discordantes. Se o conjunto é harmônico, a impressão é agradável; se é discordante, a impressão é penosa. Ora, por isto, não há necessidade de que o pensamento seja formulado em palavras; a irradiação fluídica não existe menos, quer ela seja expressada ou não; se todos são benevolentes, todos os assistentes nele experimentam um verdadeiro bem-estar, e se sentem comodamente; mas se é misturada com alguns pensamentos maus, eles produzem um efeito de uma corrente de ar gelado no meio tépido.
          Tal é a causa do sentimento de satisfação que se sente numa reunião simpática; ali reina como uma atmosfera moral saudável, onde se respira comodamente; dali se sai reconfortado, porque se está impregnado de eflúvios salutares. Assim se explicam também a ansiedade, o mal-estar indefinível que se sente num meio antipático, onde os pensamentos malévolos provocam, por assim dizer, correntes fluídicas doentias.
          A comunhão de pensamentos produz, pois, uma espécie de efeito físico que reage sobre o moral; é o que só o Espiritismo poderia fazer compreender. O homem o sente instintivamente, uma vez que procura as reuniões onde ele sabe encontrar essa comunhão; nessas reuniões homogêneas e simpáticas, ele haure novas forças morais; poder-se-ia dizer que ali recupera as perdas fluídicas que ele faz cada dia pela irradiação do pensamento, como recupera pelos alimentos as perdas do corpo material.
          A esses efeitos da comunhão de pensamentos junta-se um outro que lhe é conseqüência natural, e que importa não perder de vista: é a força que adquire o pensamento ou a vontade, pelo conjunto dos pensamentos ou vontades reunidas. Sendo a vontade uma força ativa, esta força é multiplicada pelo número das vontades idênticas, como a força muscular é multiplicada pelo número dos braços.
          Estabelecido este ponto, concebe-se que nas relações que se estabelecem entre os homens e os Espíritos, haja, numa reunião onde reina uma perfeita comunhão de pensamentos, uma força atrativa ou repulsiva que um indivíduo isolado nem sempre possui. Se, até o presente, as reuniões muito numerosas são menos favoráveis, é pela dificuldade de obter uma homogeneidade perfeita de pensamentos, o que se prende à imperfeição da natureza humana sobre a Terra. Quanto mais as reuniões são numerosas, mais nela se misturam elementos heterogêneos que paralisam a ação dos bons elementos, e que são como os grãos de areia numa engrenagem. Não ocorre o mesmo nos mundos mais avançados, e esse estado de coisas mudará sobre a Terra, à medida que os homens se tornarem melhores.
          Para os Espíritas, a comunhão de pensamentos tem um resultado mais especial ainda. Vimos o efeito dessa comunhão de homem a homem; o Espiritismo nos prova que ela não é menor dos homens para os Espíritos, e reciprocamente. Com efeito, se o pensamento coletivo adquire força pelo número, um conjunto de pensamentos idênticos, tendo o bem por objetivo, terá mais força para neutralizar a ação dos maus Espíritos; também vemos que a tática destes últimos é de levar à divisão e ao isolamento. Sozinho, um homem pode sucumbir, ao passo que se sua vontade está corroborada por outras vontades, ele poderá resistir, segundo o axioma: A união faz a força, axioma verdadeiro no moral como no físico.
          De um outro lado, se a ação dos Espíritos malévolos pode ser paralisada por um pensamento comum, é evidente que a dos bons Espíritos será secundada; sua influência salutar não encontrará obstáculos; seus eflúvios fluídicos, não sendo detidos por correntes contrárias, se derramarão sobre todos os assistentes, precisamente porque todos os terão atraído pelo pensamento, não cada um em seu proveito pessoal, mas em proveito de todos, segundo a lei de caridade. Descerão sobre eles em língua de fogo, para nos servir de uma admirável imagem do Evangelho.
          Assim, pela comunhão de pensamentos, os homens se assistem entre si, e, ao mesmo tempo, assistem os Espíritos e são por eles assistidos. As relações do mundo visível e do mundo invisível não são mais individuais, são coletivas, e, por isto mesmo mais poderosas para o proveito das massas, como para o dos indivíduos; em uma palavra, ela estabelece a solidariedade, que é a base da fraternidade. Cada um não trabalha só para si, mas para todos, e em trabalhando todos cada um nisso encontra sua conta; é o que o egoísmo não compreende.
          Graças ao Espiritismo, pois, compreendemos o poder e os efeitos do pensamento coletivo; explicamo-nos melhor o sentimento de bem-estar que se experimenta num meio homogêneo e simpático; mas sabemos igualmente que ocorre o mesmo com os Espíritos, porque eles também recebem os eflúvios de todos os pensamentos benevolentes que se elevam para eles, como uma emanação de perfume. Aqueles que são felizes sentem uma maior alegria desse concerto harmônico; aqueles que sofrem dele sentem um maior alívio.
          Todas as reuniões religiosas, seja qualquer culto a que pertençam, são fundadas sobre a comunhão de pensamentos; é aí, com efeito, que ela deve e pode exercer toda a sua força, porque o objetivo deve ser o desligamento do pensamento das amarras da matéria. Infelizmente, a maioria se afastou deste princípio, à medida que fizeram da religião uma questão de forma. Disto resultou que, cada um fazendo consistir seu dever no cumprimento da forma, se acredita quite com Deus e com os homens, quando praticou uma fórmula. Disto resulta ainda que cada um vai aos lugares de reuniões religiosas com um pensamento pessoal, por sua própria conta, e, o mais freqüentemente, sem nenhum sentimento de confraternização em relação aos outros assistentes: ele está isolado no meio da multidão, e não pensa no céu senão para si mesmo.
          Não era certamente assim que o entendia Jesus quando disse: "Quando estiverdes vários reunidos em meu nome, eu estarei em vosso meio." Reunidos em meu nome, quer dizer, com um pensamento comum; mas não se pode estar reunidos em nome de Jesus sem assimilar os seus princípios, a sua doutrina; ora, qual é o princípio fundamental da doutrina de Jesus? A caridade em pensamentos, em palavras e em ações. Os egoístas e os orgulhosos mentem quando se dizem reunidos em nome de Jesus, porque Jesus os desaprova por seus discípulos.
          Tocados por esses abusos e desvios, há pessoas que negam a utilidade das assembléias religiosas, e, por conseguinte, dos edifícios consagrados a essas assembléias. Em seu radicalismo, eles pensam que melhor seria construir hospícios do que templos, tendo em vista que o templo de Deus está por toda a parte, que ele pode ser adorado por toda a parte, que cada um pode pedir em sua casa e a toda hora, ao passo que os pobres, os doentes e os enfermos têm necessidade de lugares de refúgio.
          Mas do fato de que são cometidos abusos, de que se afastou do caminho reto, segue-se que o caminho reto não existe, e que de tudo o que se abusa seja mau? Falar assim é desconhecer a fonte e os benefícios da comunhão de pensamento que deve ser a essência das assembléias religiosas; é ignorar as causas que a provocam. Que materialistas professem semelhantes idéias, se o concebe; porque, por eles, em todas as coisas fazem abstração da vida espiritual; mas da parte de espiritualistas, e melhor ainda de Espíritas, isto seria um contra-senso. O isolamento religioso, como o isolamento social, conduz ao egoísmo. Que alguns homens sejam bastante fortes por si mesmos, bastante e largamente dotados pelo coração, para que sua fé e sua caridade não tenham necessidade de ser aquecidas em um foco comum, é possível; mas não ocorre assim com as massas, a quem é preciso um estimulante, sem o qual elas se poderiam deixar ganhar pela indiferença. Além disto, qual é o homem que possa se dizer bastante esclarecido para abster-se de conselhos na vida presente? É sempre capaz de se instruir por si mesmo? Não; ele precisa da maioria dos ensinamentos diretos de religião e de moral, como em matéria de ciência. Sem contradita, esse ensinamento pode ser dado por toda a parte, sob a abóbada do céu como sob a de um templo; mas por que os homens não teriam lugares especiais para negócios do céu, como os têm para os negócios da Terra? Por que não teriam assembléias religiosas, como eles têm assembléias políticas, científicas e industriais? Está aí uma bolsa onde se ganha sempre sem fazer ninguém perder nada. Isto não impede as fundações em proveito dos infelizes; mas dizemos além que quando os homens compreenderem melhor seus interesses do céu, haverá menos gente nos hospícios.
          Se as assembléias religiosas, nós falamos em geral, sem fazer alusão a nenhum culto, muito freqüentemente se afastaram do objetivo primitivo principal, que é a comunhão fraterna do pensamento; se o ensino que ali é dado nem sempre segue o movimento progressivo da Humanidade é que os homens não realizam todos os progressos ao mesmo tempo; o que eles não fazem num período, o fazem num outro; à medida que se esclarecem, vêem as lacunas que existem em suas instituições, e as preenchem; eles compreendem que o que era bom em uma época, em relação ao grau da civilização, torna-se insuficiente num estado mais avançado, e restabelecem o nível. O Espiritismo, nós o sabemos, é a grande alavanca do progresso em todas as coisas; ele marca uma era de renovação. Saibamos, pois, esperar, e não peçamos a uma época mais do que ela pode dar. Como as plantas, é preciso que as idéias amadureçam para serem colhidos seus frutos. Saibamos, além disto, fazer as concessões necessárias às épocas de transição, porque nada, na Natureza, se opera de maneira brusca e instantânea.
          Dissemos que o verdadeiro objetivo das assembléias religiosas deve ser a comunhão de pensamentos; é que, com efeito, a palavra religião quer dizer laço; uma religião, em sua acepção ampla e verdadeira, é um laço que religa os homens numa comunhão de sentimentos, de princípios e de crenças; consecutivamente, esse nome foi dado a esses mesmos princípios codificados e formulados em dogmas ou artigos de fé. É nesse sentido que se diz: a religião política', no entanto, mesmo nesta acepção, a palavra religião não é sinônimo de opinião; ela implica uma idéia particular: a de fé conscienciosa; é porque se diz também: a fé política. Ora, os homens podem se alistar, por interesse, num partido, sem ter a fé desse partido, e a prova disto é o que o deixam, sem escrúpulo, quando encontram seu interesse em outra parte, ao passo que aquele que o abraça por convicção é inabalável; ele persiste ao preço dos maiores sacrifícios e é a abnegação dos interesses pessoais que é a verdadeira pedra de toque da fé sincera. No entanto, se a renúncia a uma opinião, motivada por interesse, é um ato de covardia desprezível, ela é respeitável, ao contrário, quando é o fruto do reconhecimento do erro em que se está; é, então, um ato de abnegação e de razão. Há mais coragem e grandeza em reconhecer abertamente que se está errado, do que persistir, por amor-próprio, naquilo que se sabe ser falso, e para não dar um desmentido a si mesmo, o que acusa mais teimosia do que firmeza, mais orgulho do que julgamento, e mais fraqueza do que força. É mais ainda: é a hipocrisia, porque se quer parecer o que não se é; é, além disso má ação, porque é encorajar o erro por seu próprio exemplo.
          O laço estabelecido por uma religião, qualquer que lhe seja o objeto, é, pois, um laço essencialmente moral, que religa os corações, que identifica os pensamentos, as aspirações, e não é somente o fato de compromissos materiais, que se quebram à vontade, ou do cumprimento de fórmulas que falam aos olhos mais do que ao espírito. O efeito desse laço moral é de estabelecer entre aqueles que une, como conseqüência da comunhão de objetivos e de sentimentos, a fraternidade e a solidariedade, a indulgência e a benevolência mútuas. É nesse sentido que se diz também: a religião da amizade, a religião da família.
          Se assim é, dir-se-á, o Espiritismo é, pois, uma religião? Pois bem, sim! sem dúvida, Senhores; no sentido filosófico, o Espiritismo é uma religião, e disto nos glorificamos, porque é a doutrina que fundamenta os laços da fraternidade e da comunhão de pensamentos, não sobre uma simples convenção, mas sobre as bases mais sólidas: as próprias leis da Natureza.
          Por que, pois, declaramos que o Espiritismo não é uma religião? Pela razão de que não há senão uma palavra para expressar duas idéias diferentes, e que, na opinião geral, a palavra religião é inseparável da de culto; que ela desperta exclusivamente uma idéia de forma, e que o Espiritismo não a tem. Se o Espiritismo se dissesse religião, o público não veria nele senão uma nova edição, uma variante, querendo-se, dos princípios absolutos em matéria de fé; uma casta sacerdotal com um cortejo de hierarquias, de cerimônias e de privilégios; não o separaria das idéias de misticismo, e dos abusos contra os quais a opinião freqüentemente é levantada.
          O Espiritismo, não tendo nenhum dos caracteres de uma religião, na acepção usual da palavra, não se poderia, nem deveria se ornar de um título sobre o valor do qual, inevitavelmente, seria desprezado; eis porque ele se diz simplesmente: doutrina filosófica e moral.
          As reuniões espíritas podem, pois, ser mantidas religiosamente, quer dizer, com recolhimento e o respeito que comporta a natureza séria dos assuntos dos quais ela se ocupa; pode-se mesmo ali dizer, se for possível, as preces que, em lugar de serem ditas em particular, são ditas em comum, sem ser por isto que se entendam por assembléias religiosas. Que não se creia que esteja aí um jogo de palavras; a nuança é perfeitamente clara, e a aparente confusão não vem senão da falta de uma palavra para cada idéia.
          Qual é, pois, o laço que deve existir entre os Espíritas? Eles não são unidos entre si por nenhum contrato material, por nenhuma prática obrigatória; qual é o sentimento no qual devem se confundir todos os pensamentos? É um sentimento todo moral, todo espiritual, todo humanitário: o da caridade para todos, de outro modo dito: o amor do próximo que compreende os vivos e os mortos, uma vez que sabemos que os mortos sempre fazem parte da Humanidade.
          A caridade é a alma do Espiritismo: ela resume todos os deveres do homem para consigo mesmo e para com os seus semelhantes; é porque pode se dizer que não há verdadeiro Espírita sem caridade.
          Mas a caridade é ainda uma dessas palavras de sentido múltiplo, da qual é necessário bem compreender toda a importância; e se os Espíritos não cessam de pregála e de defini-la, é que, provavelmente, reconhecem que isto é ainda necessário.
          O campo da caridade é muito vasto; ele compreende duas grandes divisões que, por falta de termos especiais, podem designar-se pelas palavras: Caridade beneficente e caridade benevolente. Compreende-se facilmente a primeira, que é naturalmente proporcional aos recursos materiais dos quais se dispõe; mas a segunda está ao alcance de todo o mundo, do mais pobre como do mais rico. Se a beneficência é forçosamente limitada, nenhuma outra senão a vontade pode pôr limites à benevolência.
          O que é preciso, pois, para praticar a caridade benevolente? Amar seu próximo como a si mesmo: ora, amando-se ao seu próximo quanto a si mesmo, se o amará muito; se agirá para com outrem como se gosta que os outros ajam para conosco, não se desejará nem se fará mal a ninguém, porque não gostaríamos que no-lo fizessem.
          Amar seu próximo é, pois, abjurar todo sentimento de ódio, de animosidade, de rancor, de inveja, de ciúme, de vingança, em uma palavra, todo desejo e todo pensamento de prejudicar; é perdoar os seus inimigos e restituir o bem onde haja o mal; é ser indulgente para com as imperfeições de seus semelhantes e não procurar a palha no olho de seu vizinho, então que não se vê a trave que está no seu; é ocultar ou desculpar as faltas de outrem, em lugar de se comprazer em pô-las em relevo pelo espírito de denegrir; é ainda não se fazer valer às custas dos outros; de não procurar esmagar ninguém sob o peso de sua superioridade; de não desprezar ninguém por orgulho. Eis a verdadeira caridade benevolente, a caridade prática, sem a qual a caridade é uma palavra vã; é caridade do verdadeiro Espírita como do verdadeiro cristão; aquela sem a qual aquele que diz: Fora da caridade não há salvação, pronuncia a sua própria condenação, neste mundo tão bem quanto no outro.
          Quantas coisas haveria a se dizer sobre este assunto! Quantas belas instruções nos dão, sem cessar, os Espíritos! Sem o medo de ser muito longo e de abusar de vossa paciência, senhores, seria fácil demonstrar que, em se colocando do ponto de vista do interesse pessoal, egoísta, querendo-se, porque todos os homens não estão ainda maduros para uma abnegação completa, para fazer o bem unicamente pelo amor ao bem, seria, digo eu, fácil de demonstrar que têm tudo a ganhar agindo da maneira e tudo a perder agindo de outro modo, mesmo em suas relações sociais; depois, o bem atrai o bem e a proteção dos bons Espíritos; o mal atrai o mal e abre a porta à maldade dos maus. Cedo ou tarde o orgulhoso é castigado pela humilhação, o ambicioso pelas decepções, o egoísta pela ruína de suas esperanças, o hipócrita pela vergonha de ser desmascarado; aquele que abandona os bons Espíritos por eles é abandonado, e, de queda em queda, se vê, enfim, no fundo do abismo, ao passo que os bons Espíritos levantam e sustentam aquele que, em suas maiores provas, não deixa de confiar na Providência e não desvia jamais do caminho reto; aquele, enfim, cujo secretos sentimentos não escondem nenhum pensamento dissimulado de vaidade ou de interesse pessoal. Portanto, de um lado, ganho assegurado; do outro, perda certa; cada um, em virtude de seu livre arbítrio, pode escolher a chance que quer correr, mas não poderá tomar senão de si mesmo as conseqüências de sua escolha.
          Crerem um Deus todo-poderoso, soberanamente justo e bom; crer na alma e em sua imortalidade; na preexistência da alma como única justificativa do presente; na pluralidade das existências como meio de expiação, de reparação e de adiantamento intelectual e moral; na perfectibilidade dos seres mais imperfeitos; na felicidade crescente na perfeição; na eqüitativa remuneração do bem e do mal, segundo o princípio: a cada um segundo as suas obras; na igualdade da justiça para todos, sem exceções, favores nem privilégios para nenhuma criatura; na duração da expiação limitada à da imperfeição; no livre arbítrio do homem, que lhe deixa sempre a escolha entre o bem e o mal; crer na continuidade das relações entre o mundo visível e o mundo invisível, na solidariedade que religa todos os seres passados, presentes e futuros, encarnados e desencarnados, considerar a vida terrestre como transitória e uma das fases da vida do Espírito, que é eterno; aceitar corajosamente as provações, tendo em vista o futuro mais invejável do que o presente; praticar a caridade em pensamentos, em palavras e em ações na mais ampla acepção da palavra; se esforçar cada dia para ser melhor do que na véspera, extirpando alguma imperfeição de sua alma; submeter todas as suas crenças ao controle do livre exame e- da razão, e nada aceitar pela fé cega; respeitar todas as crenças sinceras, por irracionais que nos pareçam, e não violentar a consciência de ninguém; ver, enfim, nas diferentes descobertas da ciência a revelação das leis da Natureza, que são as leis de Deus: eis o Credo, a religião do Espiritismo, religião que pode se conciliar com todos os cultos, quer dizer, com todas as maneiras de adorar a Deus. É o laço que deve unir todos os Espíritas em uma santa comunhão de pensamentos, à espera que una todos os homens sob a bandeira da fraternidade universal.
          Com a fraternidade, filha da caridade, os homens viverão em paz, se poupando os males inumeráveis que nascem da discórdia, filha, a seu turno, do orgulho, do egoísmo, da ambição, do ciúme e de todas as imperfeições da Humanidade.
          O Espiritismo dá aos homens tudo o que é preciso para sua felicidade neste mundo, porque lhes ensina a se contentarem com aquilo que têm; que os Espíritas sejam, pois, os primeiros a aproveitarem os benefícios que ele traz, e que inaugura entre eles o reino da harmonia, que resplandecerá nas gerações futuras.
          Os Espíritos que nos cercam aqui são inumeráveis, atraídos pelo objetivo que nos propusemos em nos reunindo, a fim de darem aos nossos pensamentos a força que nasce da união. Doemos àqueles que nos são caros uma boa lembrança e um testemunho de nossa afeição, os encorajamentos e as consolações àqueles que deles têm necessidade. Façamos de maneira que cada um receba a sua parte dos sentimentos de caridade benevolente, da qual estaremos animados, e que esta reunião traga os frutos que todos estão no direito de esperá-los.

Autor: Allan Kardec
Fonte: Revista Espírita Dezembro - 1868
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